Descubra como a relação entre gostos pessoais e direcionamento profissional pode estar te atrapalhando
“Escolha um trabalho de que gostes e não terás que trabalhar nem um dia na tua vida”. Essa frase de Confúcio marcou gerações como uma verdade absoluta. Isso porque a modernidade trouxe consigo (para alguns) a mais maravilhosa das ilusões: a escolha — o que na época do Fordismo nem passava pelo campo das ideias. E parece mesmo a utopia que escolher a sua vocação, não apenas “apertar parafusos” 12 horas por dia, seja uma real possibilidade urbana.
Do que você gosta? Não, melhor, o que você ama fazer? Todos os dias? O que nunca vai te enjoar? O que você é boa e mesmo assim nunca vai te enjoar? O que vai te fazer feliz em dias úteis? Pra sempre?
Assim, esse momento de escolha passa a ser um momento também de autoconhecimento compulsório, e te define de maneira intrínseca. Você pode se tornar médico, pintor, escritor, roteirista, engenheiro, dono de negócios. Uma princesa na Disney!
Claro que ela, a Disney, também tem tudo a ver com isso. A ideia de que “sonhos se realizam” (os sonhos americanos) é vendida durante boa parte da nossa infância de maneira ininterrupta, para que cresçamos sabendo que finais felizes existem. Porém, será que esse ideal liberal realmente deixa o mundo mais cor-de-rosa?
Não é dizendo que pensar em uma carreira que tenha alinhamento com seus valores e talentos seja uma ideia ruim. Na verdade, seria perfeito se todos tivessem essa oportunidade. A questão é que mesmo escolhendo aquilo que te brilha os olhos como profissão, ainda assim a vida é feita de rotina. E nem todas as suas tarefas vão te agradar.
Aliás, nem todos os empregos vão te agradar ou serão para você. Segundo pesquisa realizada pela Survey Monkey, 36,52% dos profissionais estão infelizes com o trabalho que realizam e 64,24% gostariam de fazer algo diferente do que fazem hoje para serem mais felizes. A questão é que o ambiente profissional e os tipos de atividades feitas podem ter um impacto muito maior na “felicidade corporativa” do que apenas a área em si.
Na prática, significa isso: você pode amar audiovisual, ser um excelente roteirista, e ainda ter que fazer atividades burocráticas que não gosta, como decupar vídeos longos sobre temas desinteressantes. Ou, ainda, pode ter um talento inquestionável como enfermeiro(a), mas em um hospital sem recursos, sem perspectivas de crescimento. E pode também ser um analista administrativo feliz e em um ambiente seguro, mesmo sem ter sonhado em ser analista administrativo. Não é que você não tenha talento, ou que esteja na área errada.
A verdade é que a vida pode ser mais do que as 44 horas semanais. E a felicidade também. Fazer o que precisa ser feito e garantir os recursos necessários para aproveitar aquilo que você ama quando chegar em casa, ou garantir a grana da viagem dos sonhos, tudo isso também pode ser um motivador muito maior — e mais possível. Respeitar seus processos, garantir que não há exploração ou abusos mesmo quando sua profissão é aquela que escolheu (Pra sempre? Só se fizer sentido). Fazer as tarefas chatas. E ter dinheiro justo. Até porque fica difícil fazer o que gosta preocupado com as contas, não é mesmo?
É por isso que o século 21 pede uma revisão urgente da frase do Confúcio. “Trabalhe, vírgula, e faça o que ama”. Coloque amor no trabalho. Entenda que dias bons e ruins existem, e nada disso define quem você é. Fazer relatório é maçante? Sim, mas tem que fazer. E você não precisa largar tudo quando não for completamente interessante, nem pular as partes agridoces. Um trabalho bom, com estrutura, com reconhecimento e dignidade pode ser um tempero muito mais saboroso para sua vida.
Assim, talvez sobre disposição para usar seu “tempo livre” com a liberdade que ele merece.
Deixe seu Comentário